quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Dúbia Dubai

E lá se foram 14 horas divididas entre um bom sono, "leitura" de jornal, alguns filmes, muita comida e bebida, joguinhos, caminhadas e visita ao amigo Bogado... finalmente estávamos aterrissando no aeroporto de Dubai. Levemente meu coração começava a palpitar conforme ia chegando a hora da imigração, mesmo sabendo que os Emirados Árabes não tinham grandes restrições para entrada de brasileiros ou estrangeiros em geral, sem querer eu acabei me metendo num imbróglio documental que poderia ser causador de algum problema caso o agente de imigração estivesse de mau humor. Pra quem não se lembra, eu precisei tirar um novo passaporte (para poder entrar na Jordânia) após ter tirado o meu visto pros Emirados Árabes, e este, era eletrônico, uma simples folha de papel impressa diretamente da internet constando os números de série em referência ao meu antigo passaporte que havia sido invalidado no instante em que eu solicitei o novo. Ou seja, o cuidado que eu tive para entrar na Jordânia sem problemas, poderia ter um efeito reverso e culminar com a minha não entrada nos EAU e consequentemente na própria Jordânia.

A hora da verdade chegou e meu impulso me fez tentar algo arriscado, mas genial: eu entreguei primeiro o e-visto, e em seguida o passaporte invalidado, que na verdade estava com a vigência em dia (o que o tornara invalidado era apenas um furinho na capa, que eu tratei de disfarçar com uma capa para passaporte.). O agente, trajando a típica roupa árabe e uma pomposa barba, checou os dados o visto, deu uns carimbos, e então começou a folhear meu passaporte, e para isso dedicou certo tempo, vide o numero de folhas carimbadas que ele possuía, e isso foi muito bom, pois agregou valor a minha condição de viajante. Estava comprovando, através do preto no branco, que não era um imigrante ilegal em potencial, e sim um viajante de carteirinha. Após ter folheado todas as páginas, com a mesma expressão cerrada, ele fechou o passaporte, quando para o meu desespero percebeu o furo na capa, me olhou de cara feia e botou as palmas da mão pra cima como quem diz: mas o que que é isso? Minhas pernas começaram a bambear, minha boca começou a balbuciar uma resposta, enquanto ele já virava a cadeira para chamar um superior que estava de passagem. Nisso Bogado me olhou com os olhos esbugalhados, principalmente por não saber do meu problema nem da minha jogada (preferi não contar a ele antes pra não deixa-lo com um nervosismo aparente, nem ficar pensando no pior e atrair uma energia negativa). Quando o superior se aproximou eu já estava sacando o novo passaporte, mas já com a certeza de que toda aquela viagem dos sonhos estava boa demais pra ser verdade e eu seria mandado de volta pra casa/realidade. Para o meu alívio, assim que o superior viu o novo passaporte, fez cara de “ta tranquilo, pode carimbar e passar, welcome to dubai”, eu por dentro desmoronei em refrigério, mas por fora mantive a cara de “ah, desculpe, são tantos passaportes que me confundi e entreguei o errado.. haha que tolice a minha”. Bogado com os olhos de castor não sabia se ria ou se chorava e eu sugeri que ele se afastasse e fosse em direção à esteira das malas. O agente deu seu carimbo com um olhar de “tava doido pra te barrar, mas tua barba está de respeito, então pode passar e vá com Alá”. Realmente eu estava com uma puta barbona cultivada estrategicamente há semanas para ser melhor recebido nas arábias.

Após pegar as malas na esteira bem espaçosa e eficiente, sem o clássico empurra-empurra, rumamos para o lado de fora para pegarmos o taxi. Ao sairmos tomamos um “soco” na cara... sem exagero nenhum, a sensação era de ter entrado numa sauna seca. A temperatura devia estar pelo menos uns 20 graus celsius acima do interior do aeroporto (+- 21ºC), e detalhe, eram onze horas da noite!

Os minutos seguintes foram de um puro e simples deleite, mas digno daqueles comercias de grandes bancos internacionais que vemos em aeroportos e revistas de negócios: pela janela do taxi luzes frívolas cruzavam meu olhar, as placas de trânsito eram diferentes, a música árabe na rádio, o motorista era indiano e gentilmente ia explicando a área por onde passávamos num inglês quase incompreensível. Imaginem a cena de uma câmera dando um take no meu rosto com os olhos brilhando e um sorriso que deixava escapar através da janela, e então ela vai se distanciando, revelando a imensidão da cidade, até que já pequeno e distante o nosso taxi se mistura na multidão de outros carros que passam em alta velocidade. (não disse que era digno de propaganda de tv?), pois foi justamente isso que vivi, apenas com a ausência da câmera.

(pros que não conseguiram imaginar, foi algo mais ou menos assim:http://www.youtube.com/watch?v=fUTl1f24zIo ).

 

Eis que de repente, surge no horizonte, algo que fazia mais que arranhar, algo que rasgava o céu, nada mais nada menos do que o famoso prédio Burj Al Khalifa, o mais alto do mundo, mais um superlativo para a coleção de Dubai. A visão até que é descritível, mas a sensação de estar diante daquela monstruosidade construída pelo homem me deixou em dúvida se era verdade ou miragem, fiquei atônito até perde-la de vista. Estava sendo bem-vindo pela dúbia dubai.

 

Chegando ao hotel, que era um pouco distante do centro, mas compensava por ser na Praia de Jumeirah, e além disso taxi por lá é barato, fomos conhecer a área da piscina, que desembocava na areia e no mar. De repente Bogado levou um susto com um movimento que veio dos arbustos, e gritou: “que isso que isso?! É um gato? É um bicho árabe??” De fato ele estava certo, era um gato, e árabe, realmente estranho, magricelo, sem pelos, cara diferente de tudo que estávamos acostumados, afinal de contas era sim um bicho árabe.

 

Depois desse reconhecimento, fomos encontrar um “amigo” meu, e Bogado me indagou: “porra mano... até nas Arábias você tem amigo?”. Na verdade se tratava de Amr Salama, sujeito gente boníssima que eu tinha conhecido no Couch Surfing, quando estava à procura de maiores informações (reais e locais) a respeito de Dubai. Amigavelmente ele se ofereceu pra nos fazer um tour, e na hora marcada ele apareceu lá a bordo do seu golf turbinado. O cara era amante de automobilismo e mostrava com orgulho o som do motor do seu carro. Na hora eu e Bogado nos olhamos, dizendo que meu irmão adoraria estar ali, por razões óbvias.

O tour noturno foi curto pois estávamos muito cansados e Amr Salama também precisaria acordar cedo no dia seguinte. Mas valeu para conhecermos um lugar ou outro, como por exemplo a península em formato de coqueiro (vista do alto) e o gigantesco hotel Atlantis. Finalizamos com um lanche bem típico, no qual infelizmente não pude experimentar o sanduiche de cérebro de cabrito, pois esta iguaria estava em falta, mas o que comi que já não lembro o que foi, valeu como minha primeira experiência gastronômica árabe.

Depois disso foi dormir e esperar o dia raiar no horizonte do deserto.

 





terça-feira, 5 de novembro de 2013

Uma boa palavra alegra o homem abatido...

...assim diz o provérbio 25 do capítulo 12, e é bem verdade, comprovada neste domingo, quando esbarrei com um amigo que há muito já não via. Ele, que sempre foi muito alheio às mídias sociais, para minha grata e imensa surpresa era fã e seguidor do meu blog! Ele me indagou o porquê de ter parado de escrevê-lo, e eu simplifiquei dizendo que não estar em uma viagem me desanima a escrever, me tira a inspiração e a riqueza de detalhes cai em resumos. Felizmente ele me animou, dizendo que isso era bobagem, que eu tinha "obrigação" de seguir compartilhando com meus amigos as minhas aventuras de tantas viagens já realizadas. Refleti a respeito e cheguei a uma conclusão: o que é escrever senão viajar novamente?! Logo, ao escrever eu estou sim viajando, e a cada frase completada uma emoção é revivida, e o próximo parágrafo é só uma questão de digitar.

> Para (re)fazer algo só é preciso (re)começar, e assim sendo, cá estou, (re)viajando através das palavras.
> O momento para esse incentivo não seria mais oportuno, pois há exato 1 ano eu estava praticamente do outro lado do mundo, senão geograficamente, com certeza no que tange os costumes, religiosos e culturais: estava "nas arábias"! Certamente esse ciclo de 12 meses aflorou em mim todas as memórias que vivi há tão pouco tempo, mas que num piscar de olhos viraram passado e mais 2 alfinetes no meu mapa.
> Tudo começou de repente, quando meu avô não se resignou ao ser deixado de lado em uma viagem que seu filho e esposa (meu tio e minha avó) fariam a Dubai e Turquia, e decidiu então ir sem eles para Dubai e Jordânia. Contudo, sozinho ele também não iria, uma vez que sua idade e pouca pró-atividade não mais permitiriam, e foi nessa falha do sistema que a sorte me sorriu! Fui eleito para levá-lo às arábias, graças a minha fluência no inglês (que ele tanto se orgulha pois foi o primeiro a me ensinar as primeiras palavras do idioma) e também nossas bem-sucedidas experiências de viagens juntos (em 2011 eu cuidei dele minuciosamente durante nosso passeio por madri, barcelona e ibiza).
> Quando ele me apresentou a proposta, que dispensou resposta, imediatamente eu tratei de pesquisar tours que atendessem aos seus desejos e necessidades, e por sorte ou encargo do destino, uma agência a poucos passos do prédio em que meu avô mora trabalhava com uma operadora especialista em oriente médio. Sabendo de suas guinadas e mudanças de idéias, tratei de logo me informar de tudo que fosse preciso pra o quando antes arrematar o negócio. Com a graça de Deus (ou Alá), em poucos minutos de conversa fiquei sabendo de tudo que era preciso e voltei pra contar ao meu avô, que tomado pela empolgação quis retornar na mesma hora para fechar o pacote da viagem. Chegando na agência, sua empolgação aumentou e ele decidiu investir ainda mais no seu próprio conforto e optou pela classe executiva.
> Após o acerto de valores, e algumas poucas burocracias de visto, certificado de vacina, seguro-saúde etc, foi só planejar e esperar o grande dia chegar. Ocorre que se conquistar fosse fácil, não existiriam grandes vitórias. E numa das minhas pesquisas eu descobri que para entrar na Jordânia um brasileiro não precisaria de visto, porém seu passaporte precisaria ter uma validade mínima de 6 meses a contar do dia de entrada. Fui conferir meu passaporte só por desencargo de consciência, e para meu desespero (e alívio por ter descoberto a tempo) o meu venceria em 5 meses após nossa data de entrada. Conclusão, tive que tratar de renová-lo. Decidi marcar minha renovação para a PF do Galeão, pois as datas seriam anteriores as da PF de Niterói. E como emoção demais nunca é suficiente, a Polícia Federal tratou de entrar em greve poucos dias antes da minha data... Isso mesmo, a Polícia Federal do Brasil estava de greve!! Mesmo assim resolvi arriscar e fui lá, pois tinha ouvido que alguns casos extraordinários estavam sendo atendidos. Chegando lá, tentei fazer meu caso parecer extraordinário sem o menor sucesso, e fui mandado de volta pra casa sem a menor cerimônia. De forma resumida, eu fui de itacoatiara a ilha do governador QUATRO vezes até finalmente ser atendido, por "misericórdia" de um policial que viu meu semblante abatido após seguidas negativas e ao perceber minha carteira de guia (estrategicamente) pendurada no pescoço se sensibilizou e com uma palavra amigável disse que me atenderia. Fato é que aquela espera que durou cerca de 3 semanas só fez aumentar minha expectativa se o passaporte ficaria pronto a tempo, pois uma zona de conforto confiável de quase um ano para a sua expiração, de repente virou uma corrida contra o tempo. Felizmente Alá intercedeu e meu documento ficou pronto a tempo. Vale lembrar que meu e-visto pros Emirados Árabes já havia sido emitido com referência ao passaporte que agora estava invalidado, só mais uma pitadinha no meu imbróglio.

Passado esse perrengue, faltavam poucos dias para o embarque e eu percebi que toda aquela empolgação inicial do meu avô começou a ficar inversamente proporcional a minha, e como eu já havia dito, meu avô muda de ideia como quem troca de camisa. A apenas quatro dias do embarque, ele simplesmente desistiu da viagem!!! Argumentou que já estava muito velho e que não aguentaria o pique de uma viagem para tão longe, por tanto tempo fora de casa, eu, em choque, tentei reanima-lo, disse que o seguraria por onde quer que fosse, como fiz em Barcelona anos antes, que seria um passeio inesquecível, mas infelizmente meu avô estava irredutível. Foi a 1ª vez em 82 anos que ele recusaria/cancelaria uma viagem. Entretanto, de cara ele deixou claro que eu deveria fazer a viagem sozinho, pois afinal de contas já estava tudo pago e não teria porque eu não ir. Obvio que eu aceitei, mesmo triste com a decepção de não dividir com meu avô um antigo sonho de conhecer o Oriente Médio, eu deveria seguir o meu caminho, porque assim é a vida.

Passado um pouco o choque, comecei a matutar e pensei: bem, já que está tudo pago, e está tudo pago para duas pessoas, não tem porque eu ir sozinho, já que tem uma “vaga” sobrando, eu posso muito bem levar alguém comigo! Acho que qualquer pessoa em sã consciência aceitaria esse convite inusitado, mas a duvida cruel seria: quem convidar? Para meu alívio, o destino mais uma vez tratou de orquestrar uma sinfonia a meu favor, e me dei conta de que três dias não seriam suficientes para qualquer pessoa obter o visto de entrada nos Emirados Árabes (15 dias no mínimo seriam necessários), porém, para nossa alegria, o meu melhor amigo, Pedro Bogado, é também cidadão português, e europeus tem entrada livre nos EA.

Peguei o telefone e liguei. Segue o diálogo:

Eu: fala Mano!! Tudo bem?

Ele (num tom de voz baixinho e abatido): tudo.

Eu: ta onde?

Ele (baixinho): na biblioteca, estudando que nem louco!

Eu: então sai daí. (pausa). Então, por algum acaso você tem prova nas próximas semanas?

Ele: não.

Eu: e por algum acaso aquele seu passaporte estrelado (europeu) está com a data de expiração em dia.

Ele: tá, por que?

Eu: porque você deve sair daí agora, e ir pra casa arrumar sua mala pois depois de amanhã a gente vai pra Dubai!!!!!

Ele (após um silêncio de 3 segundos e gaguejante): O Q-Q-QUÊ? CO-COMO ASSIM? TU TA MALUCO?

Eu: Meu avô desistiu e vou leva-lo no lugar dele, topa?

Ele: calma cara, to zonzo, daqui a pouco te ligo.

 

E assim foi formalizado o meu convite, automaticamente compelido a ser aceito. Alguns minutos depois ele me ligou para que eu explicasse direitinho. Ele não conseguia parar de rir e claro que aceitou, mas antes precisaria comunicar a sua namorada que faria aniversário em algum dos 15 dias que estaríamos fora, o que poderia causar-lhe algum transtorno. Para nossa alegria, ela foi totalmente compreensiva e o apoiou a embarcar nessa aventura árabe. Na anti véspera do embarque eu ainda tive que me descabelar na agência de turismo para pedir o reembolso da passagem do meu avô para então poder comprar a passagem dele (parece idiotice o que disse, mas para quem não sabe, passagem aérea é pessoa e intransferível, logo esse foi o recurso viável, trocar seis por meia dúzia).

O dia 12 de outubro chegou, e como numa brincadeira de criança, eu e meu melhor amigo embarcamos para uma das maiores aventuras de nossas vidas, definitivamente a mais distante de casa e sem dúvidas a mais extraordinária. Após esses dias de doido correndo atrás de fazer tudo acontecer, finalmente eu pude sentar (deitar) na confortável poltrona da classe executiva da Emirates (poltrona que seria do meu avô) e relaxar durante as 14 horas seguintes.