sexta-feira, 31 de maio de 2013

Aah Le Leste [parte 2]: a logística não tem lógica

No passinho viajante, quero ver o Leste todo... Mas como? Por terra, água ou ar? Essa é uma boa pergunta que me fazem com bastante frequência: "Leeeo, o que é melhor pegar: avião, trem, ônibus, barco ou alugar um carro?" E minha resposta é sempre a mais sincera: "depende". Digo isso porque não existe resposta certa ou errada, e a mais adequada depende de uma série de fatores tais quais: orçamento disponível, número de acompanhantes, tamanho/quantidade de bagagens, tempo de viagem, valorização da paisagem, habilidade no trânsito, entre outras. Eu já viajei de praticamente todas as formas possíveis dentro do continente europeu, desde um burro-taxi, até um trem que vai por baixo d'água e outro que vai por cima dela! Após ter experimentado os elementos Ar, Terra e Água, dispenso o Fogo, e opto pelo Ferro(viário), e sem esquecer as lições do Capitão Planeta, não deixo de adicionar o 5º e mais importante elemento: o Coração! Perdoem-me o exacerbado romantismo ao encarar um simples "ir e vir" de uma viagem, mas acho que o segredo de escolher a melhor forma de locomoção está em saber desfrutar o melhor que cada uma das opções tem a oferecer. Amo viajar de trem, pelo seu bucolismo, pelo sentar frente a frente com 3 desconhecidos, pelo seu barulho de "piui tic tac piuiii", e principalmente pelo visual da sua janela "widescreen 64"" que faz inveja a qualquer TV de LED 3D junto com seu aparelho de Bluray. Não por isso deixo de desfrutar a velocidade do avião, o cheiro de mar ou o deslizar dos rios que o ferryboat proporciona, a independência do carro alugado, e até mesmo o balanço swingado dos burros das ilhas gregas ou dos camelos do deserto jordão. Já estou com a cabeça no Oriente Médio, e como diria o samba enredo de 1995 da Imperatriz Leopoldinense: "e balançou não deu certo não, pois não passou de ilusão. Eles trouxeram o balanço do deserto, mas não é gingado certo pra pisar no nosso chão"... Voltemos para Europa, aonde estou agora, mais precisamente em algum ponto da estrada entre a Áustria e a Eslovênia. E aproveito a ocasião para (re)contar como começou essa minha jornada no leste europeu, justamente pela Eslovênia, e espero que minha experiência de locomoção intra-europeia possa ajudá-los num futuro, e que seja em breve, afinal de contas, o verão europeu já está batendo à porta! Aaah o verão...Pois bem, ainda no Brasil, comecei a planejar minha viagem que teria início na Itália e Grécia, com minha família, para só então marchar rumo aos balcãs, mais precisamente, minha querida Croácia, a qual seria minha base para os 20 dias seguintes de viagem. Ocorre que o "ar" não tem muita lógica (financeiramente falando) e a melhor tarifa online que encontrei era referente às pernas: Rio - Roma - Milão (com "stop free" em Roma) / Zagreb - Paris - Rio (com escala de 8h30 em Paris). Ao analisar esses trechos, vocês perceberão "buracos", e eles foram deixados propositalmente, pois as outras cidades a serem visitadas eu optei por fazer por outras vias. Veneza eu optei por chegar de trem: a estação Santa Lucia te deixa na porta da parte "aquática" de Veneza, onde dali em diante quem domina são os gondoleiros e os habilidosos capitães de barcos. E em Veneza, após 3 dias, colocaria minha vó dentro do avião de volta para o Brasil, e depois seguiria num trem da madrugada para a capital croata, tal qual havia feito anos atrás. Porém, no momento em que meu tio e minha tia entraram na viagem, os planos tiveram de mudar (se lembram do "depende"???). A matemática é simples: quatro pessoas são mais que duas, e DEZ malas são muito mais que duas! Antes de viajar, eu, talentosa e precavidamente, tinha convencido minha vó a levar somente uma bagagem, ciente de que seria eu a carregá-la, além da minha, que por menor e mais leve que seja, não deixa de ser um volume. Contudo, com a entrada dos meus tios nos planos, foi tudo por água abaixo!! Minha tia levou tanta coisa que quase pagou excesso de bagagem na IDA... Medalha de Triunfo ao Excesso para uma necessaire com 18 PINÇAS!!! Por favor amigos, chamem o Sérgio Chapelin, pois isso é caso de "hoje no Globo Repórter: "a mulher que vai viajar quinze dias e leva DEZOITO pinças"... Acho que nem se estivéssemos indo para as florestas chinesas depilar ursos pandas dezoito pinças seriam necessárias. Enfim, os dias em Roma e Milão (sobretudo nesta) foram periclitantes no que tange o assunto volume de bagagem... E acreditem: as 18 pinças quase se tornaram 19, se eu não tivesse arrancado a tapas a 19ª das mãos da minha tia enquanto estávamos numa farmácia. Meu tio que não queria mais gastar com excesso de bagagem (pois já tinha gastado muito com o preenchimento das mesmas) sugeriu que alugássemos um carro em vez de irmos de trem, eu pensei em relutar, sabendo que o acesso de carro a Veneza definitivamente não é o mais indicado, e seria eu o motorista da rodada a resolver todos os imbróglios, mas ao me atentar para o fato de que seria o mesmo eu a me ferrar com o embarque e desembarque de 10 malas no trem e carregá-las Itália a dentro, aceitei na hora. Alugamos o maior disponível, um Peugeout 5008, que por pouquíssimo não foi grande o suficiente, e pé na estrada. Como eu acabei de dizer: carro e Veneza não combinam, e isso sempre foi assim e não vai mudar, portanto a não ser que você queira ficar no meio do fogo cruzado entre as placas de trânsito e o GPS, como eu fiquei, e nessa perder a única entrada para Veneza, e fazer o retorno quilômetros depois, não saber onde estacionar, e ao procurar o estacionamento sair pela única estrada de acesso a cidade (sem retorno) e ter que dirigir mais uns 30km por isso, e quando finalmente conseguir mais ou menos se encontrar, achar um carregador de mala com um carrinho especial para subir escada, que após atender a você e sua família queira desistir da profissão de anos, e quando finalmente estiver apto a devolver o carro, descobrir que o posto de entrega é fora da cidade, num ponto que o GPS não detecta e quando finalmente encontrá-lo, você lembrar que precisa abastecer o carro, faça como eu, vá de carro pra Veneza.Após visitar estas 3 cidades italianas, eu e meus tios seguimos para a Grécia, mas antes disso, no aeroporto, eu presenciei um dos maiores absurdos que eu já vi as companhias aéreas cometerem com seus clientes: o valor que meu tio teve que pagar de excesso de bagagem foi tão estratosférico que eu não tenho coragem de aqui revelar, e mais, nos colocou em dúvida se não seria melhor simplesmente abandonar algumas daquelas malas. Porém, quem não sabe brincar não desce pro play, meu tio pagou o que tinha que pagar e seguimos viagem, e no dia seguinte, eu teria uma ideia que só quem tem mais de 100 horas de check-in nas costas poderiaq ter, e que amorteceria bastante aquele rombo no orçamento do meu tio.Ao chegarmos em Atenas, com nossas infinitas bagagens, me dei conta de que um só taxi não seria suficiente, e então procurei e facilmente achei uma van executiva que nos levou confortavelmente até o centro da cidade, que é um pouco distante do aeroporto. Durante o trajeto, conversei bastante com o animado motorista e então tive uma idéia para facilitar toda nossa logística. A situação era a seguinte: ficaríamos duas noites em Atenas, depois voaríamos para Santorini onde passaríamos mais duas noites, para então retornar a mesma Atenas para pegar o vôo para Paris. Agora imaginem todo esse ir e vir em tantos poucos dias com infinitas bagagens? Na adversidade o homem desenvolve as melhores ideias e eu bolei com o motorista um plano pra deixarmos, a caminho do aeroporto, as maiores bagagens, no hotel em que ficaríamos na volta de Santorini, e do qual faríamos o check-out poucas horas depois de ter feito o check-in. Ok, ficou complicado de entender e/ou não pareceu tão brilhante assim, mas fato é que minha ideia parecia um pouco maluca de inicio, mas nos permitiu irmos para Santô bem mais leves, sem pagar excesso de bagagem e sem nem mesmo ter que despacha-las, orquestrei o milagre de fazer Tia Sylvia viajar com uma única bagagem de mão. Como já havia mencionado, em Paris me despedi dos meus tios, e segui viagem, rumo a Ljubjiana, capital eslovena, onde meu amigo croata Zuzu estaria me esperando. Lá passamos um agradável dia, passeando tranquilamente pelas ruas daquela bonita cidade, a noite fizemos o mesmo, e no dia seguinte, de carro, fomos para Zagreb. No caminho tivemos tempo ainda de parar para conhecer as Cavernas de Postojna, ponto turístico indispensável para quem visita a Eslovênia. E que eu tive a sorte de conhecer graças a flexibilidade de se estar com um carro a minha disposição (como disse, esta é sem duvidas a principal vantagem de viajar de carro, juntamente com você mesmo fazer seu horário).Após ter sido tratado como rei por 5 dias em Zagreb, era hora de sair da zona de conforto para poder "crescer" e conhecer e aprender mais, era hora de ganhar o leste, conforme já mencionei no post anterior, e apenas relembro agora para ressaltar a vantagem de estar viajando de carro, e no meu sortudo caso, estar com dois amigos locais que foram respectiva e simultaneamente, motorista e guia. Ao retornar da primeira etapa desta minha viagem pelo leste, composta de Eslovênia, Croácia, Bósnia e Sérvia*, decidi que era hora de sair ainda mais da zona de conforto, composta por: carro, motorista, guia e amigos, para trocar as estradas pelos trilhos, a liberdade de horario pelo apito de trem, as casas de amigos e hoteis pelos albergues. Hungria, Eslováquia e Áustria seriam os destinos.O trajeto Zagreb - Budapeste tinha duração prevista pra 6 horas, e trem costuma não atrasar quase nada, só que, naquele dia eu não dei sorte, e um pedaço da linha do trem estava em obra e eu tive que fazer uma senhora baldeação de trem-onibus-trem que somado ao tempo perdido na fronteira deu um total de 9 horas. A parte boa desta baldeação foi que ao desembarcar do primeiro trem fui abordado por uma brasileira que percebeu que eu era seu conterrâneo graças a bandeira miniatura que está estampada na minha mochila. Ela viajava com sua companheira e ter feito duas amizades brasileiras no meio do leste europeu foi legal, é sempre bom fazer amizades. Budapeste é uma cidade belíssima, com forte cultura e bastante interessante e tem como ponto alto os famosos banhos turcos, clubes com inumeras piscinas  e saunas com diferentes temperaturas. De lá, segui de trem para Bratislava, capital da Eslováquia, onde mais uma vez seria tratado com rei, por uma amiga que eu havia feito em Nice em 2010, e recebido a poucos meses no Rio de Janeiro. Ao desembarcar do trem, esbarrei num elegante senhor que falava ao telefone, pedi desculpas sem olhar para o seu rosto, e de repente ouvi: "Leo?!"... era o "Boss" (Sr. Miro) pai da minha amiga Dajana, que eu também tinha conhecido no RJ. Resumindo, se eu não tivesse esbarrado nele, ele jamais teria me visto pois estava distraído no celular, e tampouco eu o teria encontrado, uma vez que a Dajana era quem deveria estar me esperando na estação. Acasos do destino, que sempre conspira ao meu favor. Minhas horas na Bratislava foram agradabilissímas, mais uma vez tratado como rei, principalmente pelo Boss, que me adora tanto que chegou a declarar que o ponto alto da sua visita ao Rio foi quando eu os dirigia de volta pra copacabana e cantava Barry White... pruma pessoa curtir a minha voz é porque me adora muito.Para conseguir regressar a Zagreb, precisaria enfretar mais uma, e ultima, baldeação desta viagem: um ônibus até Viena, capital da Áustria, onde mais tarde naquele mesmo dia pegaria um outro ônibus para a capital croata. Minha amiga havia me garantido que não seria necessário se dar ao trabalho de comprar o ticket com antecedência, pois sempre sobravam muito lugares naquela linha de ônibus Viena-Zagreb. Por alguma intuição, eu não levei fé na sua tranquilidade, e não quis correr o risco de perder o último transporte do dia, caso contrário, só "amanhã de manhã", e eu tinha que estar de volta a Croácia naquele dia a noite. Conclusão, assim que cheguei a Viena decidi ir comprar meu ticket, chegando a bilheteria a mulher arregalou os olhos e perguntou quantos tickets eu precisaria, eu disse que apenas um e então ela sorriu aliviada, e me deu a notícia de que eu acabara de comprar o último assento daquele ônibus! Só me restou fazer o sinal da cruz e agradecer aos céus por ter me guiado até ali e principalmente por me permitir seguir a minha viagem até o destino final, sem atrasos ou contratempos.

ps: caso vocês tenham se intrigado com o trem subaquático que mencionei logo no início, se trata do TGV Londres - Paris que passa pelo túnel do Canal da Mancha. E caso tenham também se intrigado com o trem que vai por cima d'água, se trata de um que atravessa o mar entre o norte da Alemanha e a Dinamarca, dentro de um porão de um navio com trilhos no chão.                         





terça-feira, 14 de maio de 2013

Ahhhh Le Leste Leste Leste [parte 1]: girando girando prum lado, barrado barrado pelo outro.


Quem nunca sonhou em pegar um carro, um mapa (okaaay... GPS), juntar uns amigos e "hit the road Jack" sem muitos planejamentos, datas e destinos?! O sabor do vento e do desconhecio encantam a muitos, e eu que o diga! Ao longo desses ainda poucos, porém intensos anos de viagens, algumas vezes já vivi essa enriquecedora experiência, em exemplo: las vegas - california; new york - washington; dallas - oklahoma city; saint tropez - milão; e Jordânia de norte a sul. Cada qual com sua beleza e peculiaridade, e óbvio, o extraordinário que sempre me acompanha. E agora já era hora de colocar um velho desejo em prática: Leste europeu. Pois bem, a clássica forma de viajar pela europa é de trem, e eu já vivi isso de sul a norte, de oeste a leste, mas dessa vez optei por fazer diferente. A presença de dois grandes amigos em Zagreb (minha casa/base no leste) facilitou o plano, primeiro pelo desejo deles de viajarem comigo, e segundo por terem carro, e que no caso do Zuzu, era um senhor carro: um Audi S4 2013. A parte mais difícil do plano seria conseguir junto as suas respectivas namoradas, Ivana e Ozana, o "alvará de viagem", e a minha presença ajudou muito nesse plano. Elas não seriam cruéis ao ponto de barrar nossos ambiciosos planos de ganhar o leste quilometro a quilometro. E é bem verdade que as duas estariam ocupadas com os seus trabalhos, e nós, nem tanto assim: Zuzu é chefe e Ivan é autônomo. Então, beijo-tchau, até semana que vem e pé na estrada.
O nosso primeiro destino seria o Parque Nacional de Plitivice, e até foi, mas até a entrada, pois o céu fechado e a previsão de alta probabilidade de chuva fez com que desistíssimos de entrar. Por mais que lá fosse um local que eu gostaria muito de visitar desde 2010, conhecê-lo em um dia de chuva poderia ser decepcionante demais, e toda a beleza que eu já havia visto em fotos, eu continuaria sem ver ao vivo, então que ficasse algo pendente, e que sirva de desculpa para voltar um dia. Um pequeno pitstop para beber alguma coisa e brindar o destino exercendo sua força, ou simplesmente, como Zuzu tinha me ensinado, um brinde "sem razões". Rumo a Split.
Minutos antes de chegar a Split, a Ivana (namorada do Zuzu) nos enviou uma mensagem sms dizendo que tinha acabado de ver na internet que aquele dia era feriado em Split e por conta disso um grande festival estaria acontecendo. Como disse, era o destino agindo ao nosso favor, uma vez que caso tivéssemos entrado em Plitivice, demoraríamos pelo menos uma 5 horas para completar o tour, e mais as duas horas de estrada, certamente perderíamos o tal festival. Nossa chegada lá foi muito tranquila, com facilidade encontramos o aconchegante apartamento que havíamos alugado (por um preço irrisório) e logo partimos para a rua. Estávamos no lado alto da cidade, e conforme fomos descendo a escadaria toda a beleza de Split foi se revelando, e naquele dia em especial, contemplada pela presença de milhares de moradores e visitantes na rua principal, a beira-mar, comendo, bebendo, dançando e ouvindo a música ao vivo que rolava no palco. Por lá ficamos, no mesmo clima de felicidade e alegria, sentados numa mesa de bar (que conseguimos com muita paciência) até tantas da madrugada. Nesse meio tempo deu ainda pra passear pelos pontos turísticos de Split, ponto alto para a nova orla recém construída e o castelo e igrejas da cidade velha.
No dia seguinte partimos para Dubrovnik, segunda maior cidade croata, e importantíssima na história do país, principalmente pelos fortes ataques sofridos durante a guerra. Mas antes de chegar propriamente dito a Dubrovnik, tivemos que cruzar a fronteira, e duas vezes, isso porque a Bósnia possui um estreito acesso ao mar, que acaba cortando a Croácia, ou seja, saímos e voltamos para ela num intervalo de 20 minutos. Mas isso era detalhe, o mais importante era o visual daquela estrada a beira-mar pela qual dirigíamos. Como é bonita a costa croata! Depois de Zagreb, isso foi o que mais me encantou neste país, ao chegar em Pula, vi uma das paisagens mais deslumbrantes da minha vida, e ao descer o litoral, ficava cada vez mais incrível. Mais uma vez, Ivan, que possui imenso know-how turístico, já havia desenrolado um excelente e barato apartamento para ficarmos, na cidade vizinha de Mlini, que possuia uma praia "de cinema": mar azul e cristalino, sem uma onda, praticamente deserta, e um sol de primavera fechando o visual. Por ali ficamos algumas horas naquele "dolce fa' niente" croata. Ao cair da tarde pegamos um ônibus para chegar de fato a Dubrovnik, que ficava do outro lado de uma alta montanha, que nos deu uma vista digna de capa de revista de turismo, como quase tudo nesse país. O fim do dia foi pacato, mas não menos agradável, sentamos e um dos restaurantes no entorno da baía, onde havia um gigantesto barco de madeira a vela típico da região e na montanha ao fundo, um bondinho que servia de ligação entre as partes alta e baixa da cidade. Regados a vinho e uma panela repleta de frutos do mar terminamos mais um dia de viagem.
A Croácia tava boa demais, mas o "album" já havia sido completado, e suas principais cidades já haviam sido visitadas, se juntasse 2010 com 2013; era hora de cruzar (novamente) a fronteira e conhecer um dos países mais peculiares do globo terrestre: Bósnia-Herzegovina. Só o seu nome já chama atenção, sua cultura e história então, têm grandeza inversamente proporcional ao seu pequeno território. No instante em que se cruza a fronteira, imediatamente se percebe estar em um outro país, as estradas de lá são bem ruins, nelas se perde pelo menos o dobro do tempo que se perderia na mesma distância se estivesse numa estrada croata, mas nada que fosse atrapalhar nossa road trip, afinal de contas, tempo era a principal coisa que tínhamos, só não tínhamos tempo a perder. Na nossa primeira parada na Bósnia, na beira da estrada, Zuzu recebeu uma ligação de um amigo de um amigo que tinha visto o seu check-in no facebook e gostaria de nos encontrar para tomarmos um café e nos mostrar os arredores daquela região, claro que aceitamos, e em poucos minutos em solo bosnio, já estava eu, andando com os locais, indo a lugares onde turista algum ousa ir. Ele nos levou, cheio de orgulho, para o galpão onde ele estoca o couro que exporta para diversos lugares do mundo. O cheiro era horrível, mas valeu conhecer, vai que um dia eu preciso importar couro. E de todo modo ficava num local bem alto, que nos deu uma bonita vista. Como cheirar couro secando não era nosso principal desejo na Bósnia, partimos para Sarajevo nosso verdadeiro destino. Ao chegar a capital, pudemos de cara perceber as marcas da guerra, tão recente, e a de certa forma precária infra-estrutura de lá (confesso que sendo do Brasil, fiquei menos impactado do que eles dois).
Nosso hotel, três estrelas, superou nossas expectativas, apesar da chegada não muito agradável, uma vez que a recepção queria exigir que nossos passaportes e a chave do carro (estacionado no estacionamento do hotel). Uma importante informação sobre a Bósnia: lá as coisas não têm lógica, e perdoem-me, mas não tem muito como explicar, só na pele pra entender, mas essa situação do hotel é um bom exemplo. Felizmente conseguimos desenrolar para que o passaporte, que é documento pessoal, intransferível e propriedade do governo do seu respectivo país, ficasse conosco, mas a chave do seu querido Audi S4, teve que ficar lá, para infelicidade do Zuzu, e deleite meu e do Ivan, que tratamos de colocar pilha nele dizendo que veríamos o carro dele por todos os cantos de Sarajevo, pilotado por todos os funcionários do hotel (ok, não eram tantos assim).
No nosso primeiro bater de perna pela cidade, o que mais chamou minha atenção foi o mix cultural de lá, deveras incrível: muçulmanos, descentendes de russos ortodoxos e sérvios cohabitando aquele mesmo local. Cada prédio que se olhava possuia uma influência diferente, cada restaurante com sua própria culinária, e diversas igrejas e mesquitas construídas quase que lado a lado, dividindo espaço pacificamente. Já na parte mais moderna da cidade, estavam diversas lojas de marca, e muitos restaurantes e bares, muito bem arrumados, e com uma população bonita e vibrante aproveitando o final do dia.
Mas o que Sarajevo me guardou de melhor e mais enriquecedor veio na manhã do dia seguinte: um tour pelo Túnel da Vida (ou Esperança). Para os que não sabem, assim como eu não sabia (tão detalhadamente) até então, ainda no contexto da dissolução da Iugoslávia, no ano de 1992, a Bósnia se declarou independente, para muito contragosto das forças integralistas sérvias (governo que tinha ambições de formar a Grande Sérvia). Foi então que este exército (o quarto maior do mundo naquele momento) marchou para os arredores de Sarajevo, cercando-a e impondo terror à sua população. Durante 3 anos os bosnios eram proíbidos de entrar e sair de sua própria capital, e até mesmo de transitar nela, uma vez que atiradores de elite ficavam permanemtemente instalados nos altos das montanhas ali perto e atiravam aleatoriamente em qualquer coisa que se movimentasse (a crueldade dos soldados sérvios era tão grande, que há registros de que eles alugavam seus fuzis para "turistas", tão ou mais cruéis ainda, para atirarem do alto da montanha em direção a cidade). Uma das "soluções" para amenizar o impacto de se viver numa Sarajevo sitiada foi a construção de um tunél subterrâneo e artesanal, de 800m de extensão e quase nada de largura e altura, para o transporte de comida e medicamento, que eram doados por alguns países e pela ONU. Contudo, a qualidade e validade destes eram duvidosas, alguns suplementos datavam da Guerra do Vietnã. Tudo isso nos foi explicado nos arredores do Sarajevo International Airport, por uma guia que viveu tudo isso na pele, e eu juro que não sei como ela conseguia contar aquela história para nós sem se emocionar, pois eu, àquela altura já estava me debulhando em lágrimas. Ao final do documentário que estava sendo exibido, descemos num trecho do túnel, e aquela energia, negativa sim, mas também repleta de esperança e luta pela sobrevivência, eu jamais havia sentido em local algum do planeta. Por fim, eu tive o imenso prazer de conhecer o Sr. Abda, soldado bosnio, que durante semanas dirigiu um caminhão carregado de explosivos, com os faróis desligados (para não ser visto pelos soldados sérvios), nas estreitas e precárias estradas de terra do alto da montanha que ficava ao norte de Sarajevo, e era considerada território livre. O exército da Bósnia era pífio perante o da Sérvia, eles tinham que tentar de tudo e contar com a bravura e a honra dos seus soldados para conseguir o mínimo de defesa para sua população e território, o Sr. Abda foi um desses homens, um desses heróis, que eu tive o prazer de olhar no olho e dizer que ele tinha todo o meu respeito, e pude ainda apertar a sua mão e fotografar este momento que pra sempre guardarei na minha memória. O primeiro presidente da Bósnia-Herzegovina, Alija Izetbecovic, declarou com excelente precisão: "Uma vez que a análise for feita, e quando o milagre da resistência bósnia for decifrado de um ponto mais distante na História, será então compreendido - e eu estou certo disso - que o seu segredo estava em algum lugar da alma ou do caráter de sua população". E de fato é incrível, como aquela população é capaz de sorrir e até mesmo fazer piada com um sofrimento tão brutal e recente. Ao entrar no carro, já pra voltar ao hotel, uma abelha acabou entrando junto, para o semi pânico da guia, e eu peguei a abelha e joguei ela pra fora da janela, foi quando a guia disse: "você é muito corajoso!". Primeiramente eu gargalhei, e depois eu falei: "Você passou por situações que eu jamais imaginei que fossem capaz de sequer existir, e hoje você está aqui contando a sua história e a do seu país, e ainda o fez com um sorriso no rosto, portanto, acredite, corajosa é você, espantar uma abelha não é nada comparado com a forma que você espantou o trauma de uma guerra". Ela sorriu com certo orgulho, e encerrou o assunto com uma piada: "Essa resistência e força o povo bósnio adquiriu com os biscoitos da Guerra do Vietnã". Naquele dia, ainda deu tempo de passar pela esquina na qual o Arqueduque Austro-Hungaro Franz Ferndinand e sua esposa Sofia foram assassinados, o que por muitos historiadores é considerado o estopim para a Primeira Guerra Mundial.
Ao meio-dia em ponto resolvemos partir e após fazer o check-out no hotel, o carro de Zuzu de fato não estava onde ele havia estacionado, para a gargalhada geral, felizmente o tanque ainda tinha gasolina e todos os pertences estavam lá dentro e o carro aparentemente estava nas mesmas condições de antes. Sendo assim, era hora de partir para nosso próximo destino, Belgrado, capital Sérvia.
Nós três estávamos bastante empolgados, uma vez que Belgrado é considerada uma das capitais mais animadas do continente europeu, e o Ivan em especial, estava muito satisfeito em realizar, através da minha visita, um antigo desejo, pois os seus amigos croatas jamais gostaram da idéia de visitar a Sérvia (antigo rival de guerra). Foram 6 longas horas de estrada (péssima) até a fronteira, e lá esperamos mais uns 30 minutos, para então sermos informados de que não poderiamos adentrar o país, pois o Senhor Leonardo Cerqueira não possuia visto de entrada para a República Sérvia, e na condição de brasileiro tupi-guarani era condição sine qua non. Foi a clássica situação "rir pra não chorar", Ivan "chorou", eu e Zuzu (uma das pessoas mais positivas e de bem com a vida no mundo) rimos, rimos muito. Ele disse: é incrível como você já deu a volta em meio mundo e foi ser barrado aqui na Sérvia... esses sérvios são realmente uma piada. Ivan seguia num silêncio de dar pena, e eu falei: "quer saber?! FUCK SERBIA!", pra ser sincero, depois de todas as histórias que ouvi dos meus amigos croatas e dos bósnios sobre a guerra dos balcãs, eu tomei certo repugno por lá, e tentei ver a situação pelo lado do destino exercendo sua força (sempre ao meu favor). Tentei consolar Ivan dizendo que tudo acontece por uma razão, e que com certeza algo ruim estaria por nos acontecer em Belgrado e/ou algo de maravilhoso estava pra nos acontecer no próximo destino (que naquele momento não sabíamos qual seria). E aconteceu.
Demos meia volta e paramos no primeiro posto de gasolina que vimos. Começamos a debater sobre as possibilidade de pra onde ir depois de 6 horas de estrada e um carimbo de recusa no passaporte. Duas cidades despontaram como candidatas: Banja Luka (Bósnia) e Osijek (Croácia). Começamos a ponderar sobre os prós e contras de cada uma delas, e foi então que eu decidi por nós três, seguindo uma das principais lições ensinada por minha mãe: "Meu filho, quando você não tiver o que falar, fique em silêncio; quando não tiver o que fazer, coloque as mãos no bolso; e quando não tiver pra onde ir, volte pra casa". Era o que precisávamos fazer depois de dias na estrada e a recusa de entrada em um país, precisávamos voltar pra nossa casa, precisávamos voltar pra Croácia! Cruzamos novamente a fronteira bosnia, e uns 40 minutos depois cruzamos a fronteira croata... o ar era outro, a estrada era outra, o clima era outro, a tristeza e decepção ficaram pra trás, e dali em diante seria só felicidade novamente. Pedi que o Ivan fizesse uma reserva no melhor hotel de Osijek (que eu tinha quase certeza que não seria muito caro), e que eu faria questão de arcar com todas as despesas daquela noite, afinal de contas, era eu o culpado por não estarmos em Belgrado. Uma boa noite de sono seria importante para recuperarmos a energia daquele dia sem fim, e para principalmente aproveitar o dia seguinte, que haveria de ser melhor! E foi.
O plano para o dia seguinte era passar na cidade em que o Zuzu mora, Bjelovar, que ficava no caminho de Zagreb. Porém, pra variar, o telefone dele tocou e mudou nosso planos, para melhor, muito melhor. Aquele dia era também feriado, e um grande amigo seu, Mario, nos convidou para um churrasco na sua casa. Decidimos ir, só para dar um alô mesmo, pois o plano era de fato ir para Bjelovar. Ocorre que, chegando na casa do Mario, encontramos um ambiente extremamente alegre e familiar, crianças correndo no jardim, senhores e senhoras brindando, os jovens entretidos com a churrasqueira que girava um carneiro de 40kg e muita música típica. Assim que pisamos lá percebemos que aquela era a coisa maravilhosa que o destino que conspira sempre ao nosso favor havia nos guardado. Se Belgrado nos recusou, Osijek nos recebeu de braços abertos. Foi uma tarde de muita alegria, risada, gargalhada, comida e, porque não, bebida. Até eu que não sou muito do "esporte" tratei de afogar as mágoas sérvias, e lavei a alma com vinho e whisky e como sempre, fui feliz em solo croata, em casa. No final da tarde, a natureza ainda nos contemplou com um show, uma chuva de granizo que durou cerca de 10 minutos, embalada por canções de exaltação à pátria, cantadas por Zuzu e o pai do Mario, Sr. Miro, que naquele momento, sem falar uma só palavra de inglês, me agradeceu, através da tradução de Zuzu: fico honrado e agradeço a visita de alguém que veio de tão longe, lá da Austrália (nós: Não!)... digo, lá do México (nós: Nããão!)... quer dizer, lá do BRASIL! (nós: Amém!) E ano que vem estaremos lá na Copa do Mundo!!!"
Naquela noite fomos ainda para um bar pra eles beberem mais (eu já tinha parado há muito tempo), e jogarmos dardo, comer, bater papo e continuar a diversão. Dormimos na casa de um amigo do Mario e na manhã seguinte voltamos para Zagreb, onde teríamos ainda um outro almoço em família para comemorar o dia das mães e o aniversário de 85 anos da querida avó do Ivan. Mais uma tarde feliz, em família e que nos deu a certeza de que viajar é muito bom, mas voltar pra casa é melhor ainda.




















quarta-feira, 1 de maio de 2013

Kiss and fly, kiss and cry

Há 5 dias, minha vó em Veneza, hoje, meus tios em Paris, Esses foram os dois únicos pontos baixos da minha viagem: ter que me despedir deles. Eu sou péssimo com isso, e acho que nem no meu centésimo aniversário terei já aprendido.
O que é a vida senão a arte do encontro, que de forma resumida se inicia num "oi" e termina num "tchau"? Como é difícil esta segunda parte... e em se tratando de viagem ela se intensifica e multiplica. Se multiplica mais no caso de viajar sozinho, quando você faz muitas amizades em cada local que se vai, e a cada partida é uma sessão de "tchaus" sem saber quando dará "oi" novamente. Se intensifica no caso de viajar em amigos ou família, onde o convívio se aprofunda a tal ponto de burlar a privacidade e a individualidade de cada um. Contudo, no momento de dar tchau, só ficam as coisas boas, e os momentos ruins (que no meu caso foram nulos) apesar de abstratos, se esfarelam e viram poeira no ar.
A história dessa primeira parte da viagem, se desenhou quando, primeiramente, atendi a um pedido da minha vó, e num segundo momento, adicionei a comemoração de bodas de prata dos meus tios. Devido a minha experiência em viagens e know-how de internet, hoje ferramenta indispensável, fui eu a tomar a frente de TUDO. Em poucos momentos da minha vida me senti tão responsável por tudo, para todos, durante tanto tempo. Nunca tinha sentido alguém tão dependente de mim como senti nesses dias (nenhum deles falava italiano, grego, ou até mesmo inglês), e dessa vez foram logo 3 pessoas de uma vez só... acho que pela primeira vez na vida senti mais ou menos o que é ser pai.
E aí, quando você se vê mergulhado de cabeça numa experiência dessa, e sendo perfeccionista como sou, a minha vontade era de levar minha vó até a porta de sua casa, e meus tios até, pelo menos, os seus respectivos assentos no voo para o Rio. Mas infelizmente isso não foi possível, e tive que me contentar com as clássicas despedidas de aeroporto, e que do meu abraço em diante, Deus cuidasse dos passos deles. Da minha vó me despedi no aeroporto de Veneza, e conforme a barreira do raio-x ia se aproximando, meus olhos se enchiam de lágrimas e para adiantar aquele sofrimento eu fui apertando o passo. Até que finalmente ela me abraçou apertado, me agradeceu profundamente por aqueles dias e o nosso choro desceu. Quando ela chegou ao Rio, nos falamos por telefone e ela me contou toda orgulhosa sobre o seu desempenho ao fazer a conexão em Roma, mesmo eu não estando presente.
Com meus tios foi um pouco mais fácil e graças ao frenesi do aeroporto CDG de Paris, economizei alguns lencinhos de papel. O meu plano era deixá-los na porta do voo 444 para o Rio, para só então buscar o portão de embarque que me levaria, horas depois, para o meu próximo destino. Todavia, o voo deles era para fora da União Europeia, e exigia a passagem pelo controle de passaporte, diferentemente de mim. Sendo assim, nosso "beijo e tchau" se deu ali, de repente, e não deu tempo nem das lágrimas escorrerem. De lá segui meu caminho eu fui buscar o meu portão.
No aeroporto de Nice tem uma placa que diz o seguinte: Kiss and Fly, que indica para onde devem ir os carros de pessoas que iram embarcar, mas sem que o motorista estacione, o famoso "beijinho beijinho, tchau tchau"... no meu caso essa placa poderia dizer "kiss and fly, kiss and cry", pois em toda despedida que tiver como as duas que tive nos últimos 5 dias, com certeza eu vou chorar, mas não sem esquecer de sorrir pelas memórias que construímos e as gargalhadas que iremos dar ao relembrá-las quando juntos estivermos novamente.
A dica é essa meus caros, aproveite cada minuto com os seus companheiros de viagem, seja um novo amigo ou um parente, pois num piscar de olhos já será hora de dar tchau, e então, só ficarão as boas recordações e a saudade... trate de criar muitas delas.