terça-feira, 14 de maio de 2013

Ahhhh Le Leste Leste Leste [parte 1]: girando girando prum lado, barrado barrado pelo outro.


Quem nunca sonhou em pegar um carro, um mapa (okaaay... GPS), juntar uns amigos e "hit the road Jack" sem muitos planejamentos, datas e destinos?! O sabor do vento e do desconhecio encantam a muitos, e eu que o diga! Ao longo desses ainda poucos, porém intensos anos de viagens, algumas vezes já vivi essa enriquecedora experiência, em exemplo: las vegas - california; new york - washington; dallas - oklahoma city; saint tropez - milão; e Jordânia de norte a sul. Cada qual com sua beleza e peculiaridade, e óbvio, o extraordinário que sempre me acompanha. E agora já era hora de colocar um velho desejo em prática: Leste europeu. Pois bem, a clássica forma de viajar pela europa é de trem, e eu já vivi isso de sul a norte, de oeste a leste, mas dessa vez optei por fazer diferente. A presença de dois grandes amigos em Zagreb (minha casa/base no leste) facilitou o plano, primeiro pelo desejo deles de viajarem comigo, e segundo por terem carro, e que no caso do Zuzu, era um senhor carro: um Audi S4 2013. A parte mais difícil do plano seria conseguir junto as suas respectivas namoradas, Ivana e Ozana, o "alvará de viagem", e a minha presença ajudou muito nesse plano. Elas não seriam cruéis ao ponto de barrar nossos ambiciosos planos de ganhar o leste quilometro a quilometro. E é bem verdade que as duas estariam ocupadas com os seus trabalhos, e nós, nem tanto assim: Zuzu é chefe e Ivan é autônomo. Então, beijo-tchau, até semana que vem e pé na estrada.
O nosso primeiro destino seria o Parque Nacional de Plitivice, e até foi, mas até a entrada, pois o céu fechado e a previsão de alta probabilidade de chuva fez com que desistíssimos de entrar. Por mais que lá fosse um local que eu gostaria muito de visitar desde 2010, conhecê-lo em um dia de chuva poderia ser decepcionante demais, e toda a beleza que eu já havia visto em fotos, eu continuaria sem ver ao vivo, então que ficasse algo pendente, e que sirva de desculpa para voltar um dia. Um pequeno pitstop para beber alguma coisa e brindar o destino exercendo sua força, ou simplesmente, como Zuzu tinha me ensinado, um brinde "sem razões". Rumo a Split.
Minutos antes de chegar a Split, a Ivana (namorada do Zuzu) nos enviou uma mensagem sms dizendo que tinha acabado de ver na internet que aquele dia era feriado em Split e por conta disso um grande festival estaria acontecendo. Como disse, era o destino agindo ao nosso favor, uma vez que caso tivéssemos entrado em Plitivice, demoraríamos pelo menos uma 5 horas para completar o tour, e mais as duas horas de estrada, certamente perderíamos o tal festival. Nossa chegada lá foi muito tranquila, com facilidade encontramos o aconchegante apartamento que havíamos alugado (por um preço irrisório) e logo partimos para a rua. Estávamos no lado alto da cidade, e conforme fomos descendo a escadaria toda a beleza de Split foi se revelando, e naquele dia em especial, contemplada pela presença de milhares de moradores e visitantes na rua principal, a beira-mar, comendo, bebendo, dançando e ouvindo a música ao vivo que rolava no palco. Por lá ficamos, no mesmo clima de felicidade e alegria, sentados numa mesa de bar (que conseguimos com muita paciência) até tantas da madrugada. Nesse meio tempo deu ainda pra passear pelos pontos turísticos de Split, ponto alto para a nova orla recém construída e o castelo e igrejas da cidade velha.
No dia seguinte partimos para Dubrovnik, segunda maior cidade croata, e importantíssima na história do país, principalmente pelos fortes ataques sofridos durante a guerra. Mas antes de chegar propriamente dito a Dubrovnik, tivemos que cruzar a fronteira, e duas vezes, isso porque a Bósnia possui um estreito acesso ao mar, que acaba cortando a Croácia, ou seja, saímos e voltamos para ela num intervalo de 20 minutos. Mas isso era detalhe, o mais importante era o visual daquela estrada a beira-mar pela qual dirigíamos. Como é bonita a costa croata! Depois de Zagreb, isso foi o que mais me encantou neste país, ao chegar em Pula, vi uma das paisagens mais deslumbrantes da minha vida, e ao descer o litoral, ficava cada vez mais incrível. Mais uma vez, Ivan, que possui imenso know-how turístico, já havia desenrolado um excelente e barato apartamento para ficarmos, na cidade vizinha de Mlini, que possuia uma praia "de cinema": mar azul e cristalino, sem uma onda, praticamente deserta, e um sol de primavera fechando o visual. Por ali ficamos algumas horas naquele "dolce fa' niente" croata. Ao cair da tarde pegamos um ônibus para chegar de fato a Dubrovnik, que ficava do outro lado de uma alta montanha, que nos deu uma vista digna de capa de revista de turismo, como quase tudo nesse país. O fim do dia foi pacato, mas não menos agradável, sentamos e um dos restaurantes no entorno da baía, onde havia um gigantesto barco de madeira a vela típico da região e na montanha ao fundo, um bondinho que servia de ligação entre as partes alta e baixa da cidade. Regados a vinho e uma panela repleta de frutos do mar terminamos mais um dia de viagem.
A Croácia tava boa demais, mas o "album" já havia sido completado, e suas principais cidades já haviam sido visitadas, se juntasse 2010 com 2013; era hora de cruzar (novamente) a fronteira e conhecer um dos países mais peculiares do globo terrestre: Bósnia-Herzegovina. Só o seu nome já chama atenção, sua cultura e história então, têm grandeza inversamente proporcional ao seu pequeno território. No instante em que se cruza a fronteira, imediatamente se percebe estar em um outro país, as estradas de lá são bem ruins, nelas se perde pelo menos o dobro do tempo que se perderia na mesma distância se estivesse numa estrada croata, mas nada que fosse atrapalhar nossa road trip, afinal de contas, tempo era a principal coisa que tínhamos, só não tínhamos tempo a perder. Na nossa primeira parada na Bósnia, na beira da estrada, Zuzu recebeu uma ligação de um amigo de um amigo que tinha visto o seu check-in no facebook e gostaria de nos encontrar para tomarmos um café e nos mostrar os arredores daquela região, claro que aceitamos, e em poucos minutos em solo bosnio, já estava eu, andando com os locais, indo a lugares onde turista algum ousa ir. Ele nos levou, cheio de orgulho, para o galpão onde ele estoca o couro que exporta para diversos lugares do mundo. O cheiro era horrível, mas valeu conhecer, vai que um dia eu preciso importar couro. E de todo modo ficava num local bem alto, que nos deu uma bonita vista. Como cheirar couro secando não era nosso principal desejo na Bósnia, partimos para Sarajevo nosso verdadeiro destino. Ao chegar a capital, pudemos de cara perceber as marcas da guerra, tão recente, e a de certa forma precária infra-estrutura de lá (confesso que sendo do Brasil, fiquei menos impactado do que eles dois).
Nosso hotel, três estrelas, superou nossas expectativas, apesar da chegada não muito agradável, uma vez que a recepção queria exigir que nossos passaportes e a chave do carro (estacionado no estacionamento do hotel). Uma importante informação sobre a Bósnia: lá as coisas não têm lógica, e perdoem-me, mas não tem muito como explicar, só na pele pra entender, mas essa situação do hotel é um bom exemplo. Felizmente conseguimos desenrolar para que o passaporte, que é documento pessoal, intransferível e propriedade do governo do seu respectivo país, ficasse conosco, mas a chave do seu querido Audi S4, teve que ficar lá, para infelicidade do Zuzu, e deleite meu e do Ivan, que tratamos de colocar pilha nele dizendo que veríamos o carro dele por todos os cantos de Sarajevo, pilotado por todos os funcionários do hotel (ok, não eram tantos assim).
No nosso primeiro bater de perna pela cidade, o que mais chamou minha atenção foi o mix cultural de lá, deveras incrível: muçulmanos, descentendes de russos ortodoxos e sérvios cohabitando aquele mesmo local. Cada prédio que se olhava possuia uma influência diferente, cada restaurante com sua própria culinária, e diversas igrejas e mesquitas construídas quase que lado a lado, dividindo espaço pacificamente. Já na parte mais moderna da cidade, estavam diversas lojas de marca, e muitos restaurantes e bares, muito bem arrumados, e com uma população bonita e vibrante aproveitando o final do dia.
Mas o que Sarajevo me guardou de melhor e mais enriquecedor veio na manhã do dia seguinte: um tour pelo Túnel da Vida (ou Esperança). Para os que não sabem, assim como eu não sabia (tão detalhadamente) até então, ainda no contexto da dissolução da Iugoslávia, no ano de 1992, a Bósnia se declarou independente, para muito contragosto das forças integralistas sérvias (governo que tinha ambições de formar a Grande Sérvia). Foi então que este exército (o quarto maior do mundo naquele momento) marchou para os arredores de Sarajevo, cercando-a e impondo terror à sua população. Durante 3 anos os bosnios eram proíbidos de entrar e sair de sua própria capital, e até mesmo de transitar nela, uma vez que atiradores de elite ficavam permanemtemente instalados nos altos das montanhas ali perto e atiravam aleatoriamente em qualquer coisa que se movimentasse (a crueldade dos soldados sérvios era tão grande, que há registros de que eles alugavam seus fuzis para "turistas", tão ou mais cruéis ainda, para atirarem do alto da montanha em direção a cidade). Uma das "soluções" para amenizar o impacto de se viver numa Sarajevo sitiada foi a construção de um tunél subterrâneo e artesanal, de 800m de extensão e quase nada de largura e altura, para o transporte de comida e medicamento, que eram doados por alguns países e pela ONU. Contudo, a qualidade e validade destes eram duvidosas, alguns suplementos datavam da Guerra do Vietnã. Tudo isso nos foi explicado nos arredores do Sarajevo International Airport, por uma guia que viveu tudo isso na pele, e eu juro que não sei como ela conseguia contar aquela história para nós sem se emocionar, pois eu, àquela altura já estava me debulhando em lágrimas. Ao final do documentário que estava sendo exibido, descemos num trecho do túnel, e aquela energia, negativa sim, mas também repleta de esperança e luta pela sobrevivência, eu jamais havia sentido em local algum do planeta. Por fim, eu tive o imenso prazer de conhecer o Sr. Abda, soldado bosnio, que durante semanas dirigiu um caminhão carregado de explosivos, com os faróis desligados (para não ser visto pelos soldados sérvios), nas estreitas e precárias estradas de terra do alto da montanha que ficava ao norte de Sarajevo, e era considerada território livre. O exército da Bósnia era pífio perante o da Sérvia, eles tinham que tentar de tudo e contar com a bravura e a honra dos seus soldados para conseguir o mínimo de defesa para sua população e território, o Sr. Abda foi um desses homens, um desses heróis, que eu tive o prazer de olhar no olho e dizer que ele tinha todo o meu respeito, e pude ainda apertar a sua mão e fotografar este momento que pra sempre guardarei na minha memória. O primeiro presidente da Bósnia-Herzegovina, Alija Izetbecovic, declarou com excelente precisão: "Uma vez que a análise for feita, e quando o milagre da resistência bósnia for decifrado de um ponto mais distante na História, será então compreendido - e eu estou certo disso - que o seu segredo estava em algum lugar da alma ou do caráter de sua população". E de fato é incrível, como aquela população é capaz de sorrir e até mesmo fazer piada com um sofrimento tão brutal e recente. Ao entrar no carro, já pra voltar ao hotel, uma abelha acabou entrando junto, para o semi pânico da guia, e eu peguei a abelha e joguei ela pra fora da janela, foi quando a guia disse: "você é muito corajoso!". Primeiramente eu gargalhei, e depois eu falei: "Você passou por situações que eu jamais imaginei que fossem capaz de sequer existir, e hoje você está aqui contando a sua história e a do seu país, e ainda o fez com um sorriso no rosto, portanto, acredite, corajosa é você, espantar uma abelha não é nada comparado com a forma que você espantou o trauma de uma guerra". Ela sorriu com certo orgulho, e encerrou o assunto com uma piada: "Essa resistência e força o povo bósnio adquiriu com os biscoitos da Guerra do Vietnã". Naquele dia, ainda deu tempo de passar pela esquina na qual o Arqueduque Austro-Hungaro Franz Ferndinand e sua esposa Sofia foram assassinados, o que por muitos historiadores é considerado o estopim para a Primeira Guerra Mundial.
Ao meio-dia em ponto resolvemos partir e após fazer o check-out no hotel, o carro de Zuzu de fato não estava onde ele havia estacionado, para a gargalhada geral, felizmente o tanque ainda tinha gasolina e todos os pertences estavam lá dentro e o carro aparentemente estava nas mesmas condições de antes. Sendo assim, era hora de partir para nosso próximo destino, Belgrado, capital Sérvia.
Nós três estávamos bastante empolgados, uma vez que Belgrado é considerada uma das capitais mais animadas do continente europeu, e o Ivan em especial, estava muito satisfeito em realizar, através da minha visita, um antigo desejo, pois os seus amigos croatas jamais gostaram da idéia de visitar a Sérvia (antigo rival de guerra). Foram 6 longas horas de estrada (péssima) até a fronteira, e lá esperamos mais uns 30 minutos, para então sermos informados de que não poderiamos adentrar o país, pois o Senhor Leonardo Cerqueira não possuia visto de entrada para a República Sérvia, e na condição de brasileiro tupi-guarani era condição sine qua non. Foi a clássica situação "rir pra não chorar", Ivan "chorou", eu e Zuzu (uma das pessoas mais positivas e de bem com a vida no mundo) rimos, rimos muito. Ele disse: é incrível como você já deu a volta em meio mundo e foi ser barrado aqui na Sérvia... esses sérvios são realmente uma piada. Ivan seguia num silêncio de dar pena, e eu falei: "quer saber?! FUCK SERBIA!", pra ser sincero, depois de todas as histórias que ouvi dos meus amigos croatas e dos bósnios sobre a guerra dos balcãs, eu tomei certo repugno por lá, e tentei ver a situação pelo lado do destino exercendo sua força (sempre ao meu favor). Tentei consolar Ivan dizendo que tudo acontece por uma razão, e que com certeza algo ruim estaria por nos acontecer em Belgrado e/ou algo de maravilhoso estava pra nos acontecer no próximo destino (que naquele momento não sabíamos qual seria). E aconteceu.
Demos meia volta e paramos no primeiro posto de gasolina que vimos. Começamos a debater sobre as possibilidade de pra onde ir depois de 6 horas de estrada e um carimbo de recusa no passaporte. Duas cidades despontaram como candidatas: Banja Luka (Bósnia) e Osijek (Croácia). Começamos a ponderar sobre os prós e contras de cada uma delas, e foi então que eu decidi por nós três, seguindo uma das principais lições ensinada por minha mãe: "Meu filho, quando você não tiver o que falar, fique em silêncio; quando não tiver o que fazer, coloque as mãos no bolso; e quando não tiver pra onde ir, volte pra casa". Era o que precisávamos fazer depois de dias na estrada e a recusa de entrada em um país, precisávamos voltar pra nossa casa, precisávamos voltar pra Croácia! Cruzamos novamente a fronteira bosnia, e uns 40 minutos depois cruzamos a fronteira croata... o ar era outro, a estrada era outra, o clima era outro, a tristeza e decepção ficaram pra trás, e dali em diante seria só felicidade novamente. Pedi que o Ivan fizesse uma reserva no melhor hotel de Osijek (que eu tinha quase certeza que não seria muito caro), e que eu faria questão de arcar com todas as despesas daquela noite, afinal de contas, era eu o culpado por não estarmos em Belgrado. Uma boa noite de sono seria importante para recuperarmos a energia daquele dia sem fim, e para principalmente aproveitar o dia seguinte, que haveria de ser melhor! E foi.
O plano para o dia seguinte era passar na cidade em que o Zuzu mora, Bjelovar, que ficava no caminho de Zagreb. Porém, pra variar, o telefone dele tocou e mudou nosso planos, para melhor, muito melhor. Aquele dia era também feriado, e um grande amigo seu, Mario, nos convidou para um churrasco na sua casa. Decidimos ir, só para dar um alô mesmo, pois o plano era de fato ir para Bjelovar. Ocorre que, chegando na casa do Mario, encontramos um ambiente extremamente alegre e familiar, crianças correndo no jardim, senhores e senhoras brindando, os jovens entretidos com a churrasqueira que girava um carneiro de 40kg e muita música típica. Assim que pisamos lá percebemos que aquela era a coisa maravilhosa que o destino que conspira sempre ao nosso favor havia nos guardado. Se Belgrado nos recusou, Osijek nos recebeu de braços abertos. Foi uma tarde de muita alegria, risada, gargalhada, comida e, porque não, bebida. Até eu que não sou muito do "esporte" tratei de afogar as mágoas sérvias, e lavei a alma com vinho e whisky e como sempre, fui feliz em solo croata, em casa. No final da tarde, a natureza ainda nos contemplou com um show, uma chuva de granizo que durou cerca de 10 minutos, embalada por canções de exaltação à pátria, cantadas por Zuzu e o pai do Mario, Sr. Miro, que naquele momento, sem falar uma só palavra de inglês, me agradeceu, através da tradução de Zuzu: fico honrado e agradeço a visita de alguém que veio de tão longe, lá da Austrália (nós: Não!)... digo, lá do México (nós: Nããão!)... quer dizer, lá do BRASIL! (nós: Amém!) E ano que vem estaremos lá na Copa do Mundo!!!"
Naquela noite fomos ainda para um bar pra eles beberem mais (eu já tinha parado há muito tempo), e jogarmos dardo, comer, bater papo e continuar a diversão. Dormimos na casa de um amigo do Mario e na manhã seguinte voltamos para Zagreb, onde teríamos ainda um outro almoço em família para comemorar o dia das mães e o aniversário de 85 anos da querida avó do Ivan. Mais uma tarde feliz, em família e que nos deu a certeza de que viajar é muito bom, mas voltar pra casa é melhor ainda.




















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